Fundo de Solidariedade da OM na perspectiva do Serviço Social
Inês Guerra, Assistente Social do Fundo de Solidariedade da Ordem dos Médicos
O Fundo de Solidariedade da Ordem dos Médicos (FSOM) nasceu da extinção da Caixa de Previdência dos Médicos Portugueses, e foi criado pelo decreto-lei nº 27/87. Tem como principal finalidade a concessão de benefícios sociais à classe médica, sendo gerido pelo Conselho Nacional Executivo da Ordem dos Médicos nos termos estabelecidos em regulamento aprovado pela respectiva Ordem.
A Comissão do FSOM é formada por três elementos cada um pertencente aos diferentes Conselhos Regionais da Ordem dos Médicos, uma assistente social e uma secretária. O FSOM completou 11 anos em Setembro de 2012 e têm como função avaliar todos os pedidos efectuados face a um diagnóstico social realizado previamente pela Assistente Social.
Inicialmente, começou-se por avaliar inúmeras situações sociais recebidas através da Caixa de Previdência dos Médicos Portugueses das quais a Ordem dos Médicos não possuía qualquer conhecimento e para as quais era premente encontrar uma solução.
Durante o primeiro ano de actividade existiu a preocupação de avaliar todos os casos recebidos através da Caixa de Previdência. Sobre estes Beneficiários não existia qualquer tipo de informação, ou conhecimento das reais condições socioeconómicas. A informação disponível era muito escassa, mas sabia-se que estas pessoas faziam questão de receber efémeros apoios da Ordem dos Médicos (500$00, 1000$00) o que nos fazia crer que se encontravam em situações de grande vulnerabilidade social. Desconheciam-se os motivos de atribuição dos apoios, quem os tinha atribuído e qual a situação ou contexto em que estas pessoas viviam.
Para avaliar estas situações o FSOM contou desde o início com a colaboração de uma Assistente Social. Os casos avaliados neste primeiro ano estavam relacionados com o envelhecimento, nomeadamente com questões relacionadas com a dependência, com a falta de recursos económicos/pobreza, com a falta de redes familiares, entre outros. Em termos gerais, o valor das pensões destes Beneficiários era muito baixo, o que os colocava em situação de grande fragilidade social. Este facto, associado ao grau de dependência e aos elevados custos com a saúde fez com que o FSOM acompanhasse algumas situações de “pobreza envergonhada”. Outro facto que promove esta vulnerabilidade social é que a maior parte destes Beneficiários não tem familiares directos que os apoiem, nem qualquer rede de suporte. A maioria das situações avaliadas necessitaram de intervenção, para a melhoria da sua qualidade de vida e do seu bem-estar.
Na generalidade dos casos recebidos através da Caixa de Previdência, a idade dos Beneficiários era muito avançada ou o estado de saúde muito frágil (doenças crónicas e grande dependência).
No que diz respeito às respostas e apoios concedidos, inicialmente não estavam definidos. Isto deveu-se ao facto de não existir um conhecimento prévio das situações sociais e das reais necessidades dos Beneficiários. Assim, tentou-se que tanto as respostas como os apoios sociais pudessem responder não só às necessidades apresentadas mas, também viessem ao encontro de algumas expectativas expressas pelos Beneficiários. Deste modo, criou-se como critério de atribuição um quadro definido pelo cruzamento dos indicadores de rendimento/despesas com os indicadores de conforto/consumos culturais.
A par da avaliação dos processos recebidos através da Caixa de Previdência, durante o ano de 2001, o FSOM recebeu inúmeros pedidos de apoio. As problemáticas eram muito variadas e não nos encontrávamos preparados para responder. Naquele momento, percebemos que dependíamos para responder a alguns destes pedidos, da intervenção dos recursos da comunidade, nomeadamente lares, serviços de apoio domiciliário, entre outros.
Estes primeiros anos de intervenção do FSOM foram fundamentais para desenvolver o actual projecto.
A estratégia adoptada pela Assistente Social para uma aproximação e relação mais facilitada com os Beneficiários, foi realizar visitas domiciliárias. A justificação para a utilização desta técnica deveu-se ao facto da população-alvo ter características muito específicas, nomeadamente ser uma população que preserva muito a sua privacidade, tem algumas resistências em pedir apoio social e tem alguma dificuldade em expor as suas fragilidades e vulnerabilidades.
Ao mesmo tempo, as visitas domiciliárias permitiram conhecer as reais condições habitacionais de cada Beneficiário, isto é, facilitaram um conhecimento mais objectivo sobre a dinâmica familiar e individual dos Beneficiários, como também da rede de suporte existente, observar as condições ambientais em que a família/indivíduo vive e ainda percepcionar o seu meio envolvente. O que permitiu uma visão mais real e um conhecimento da situação em que o indivíduo/ família se encontrava.
A visita domiciliária contribuiu ainda para um relacionamento assistente social/ beneficiário/família mais próximo e confiante, permitindo uma maior adesão à intervenção, uma vez que as pessoas tendem a enfrentar melhor as suas dificuldades quando estão no seu próprio meio social, familiar ou comunitário. Assim, a visita domiciliária demonstrou ser um instrumento importante para a prática desenvolvida.
É de destacar que ao longo destes 11 anos de intervenção, a relação entre a Assistente Social e os diferentes Beneficiários tem sido sempre uma relação bastante facilitada. A nosso ver esta circunstância deve-se ao facto de se criarem critérios de avaliação diagnóstica e adoptarem estratégias de um relacionamento de proximidade. São factores facilitadores:
– A Assistente Social deslocar-se à residência do Beneficiário.
Este facto preserva a privacidade dos Beneficiários. Por outro lado, valorizam muito o facto de este atendimento ser na sua residência, pois a formalidade de se deslocarem à Ordem dos Médicos, como também a distância, poderia inibir alguns Beneficiários de exporem o seu caso.
– Uma resposta célere.
O tempo entre o pedido efectuado e a resposta ao pedido ser realizada com brevidade.
– Repostas personalizadas.
Não existem respostas pré-definidas aos pedidos efectuados, isto leva o Beneficiário a sentir que existe preocupação em responder à sua situação individual e concreta e não estar perante um padrão de respostas massivas, pré-formatadas para os problemas apresentados.
– Maior divulgação do trabalho do FSOM.
Existe, actualmente, um maior conhecimento da intervenção do FSOM, o que tem atenuado alguns preconceitos ou resistências dos Beneficiários que solicitam o apoio.
– Valorização da solidariedade inter-pares
Face ao actual contexto, de crise socioeconómica, valorizar-se a importância que a Ordem dos Médicos dá às questões sociais e à solidariedade entre os seus membros.
Pelo FSOM já passaram mais de 138 processos. Estes processos podem ser de pessoas individuais como de famílias. Alguns destes processos foram resolvidos com sucesso mas uma grande parte destes continua a ser acompanhado pela Assistente Social.
O número de pedidos nos últimos dois anos tem aumentado consideravelmente. Crê-se que o aumento de pedidos é reflexo da actual conjuntura socioeconómica. Por outro lado, a complexidade dos casos sociais abrangidos tem vindo a aumentar, dada a multidimensionalidade dos problemas dos novos pedidos.
Nos últimos anos, os pedidos efectuados assumiram novos contornos, isto é, inicialmente a intervenção centrava-se exclusivamente em questões que envolviam o envelhecimento, o baixo valor das reformas e a dependência. Actualmente tem vindo a receber outro género de pedido, que nos tem exigido outro tipo de intervenção. Existe uma grande diversidade de problemáticas, nomeadamente: velhice e situações de dependência; saúde mental; acesso/ mediação com os recursos da comunidade; apoio escolar a órfãos; insuficiência económica/pobreza; entre outros.
A grande complexidade das situações sociais faz com que o acompanhamento social exigido para a resolução das situações tivesse que ser repensado, tornando-se necessário ser mais presente e contínuo. Para além das ajudas financeiras e materiais torna-se fundamental o acompanhamento psico-social, a mediação/selecção e encaminhamento para os recursos sociais necessários a cada Beneficiário.
Neste contexto, a imprevisibilidade das mudanças que ocorrem na sociedade, traduzida na crescente complexidade dos problemas, entendidos estes, como situações que os indivíduos e famílias não conseguem resolver por si, determinam a necessidade de implementar novas formas de abordagem e procedimentos que possibilitem uma intervenção mais adequada, susceptível de influenciar e alterar os modos de vida dos indivíduos que recorrem ao FSOM. Contribuir para a prevenção e resolução dos problemas, exige um trabalho com as pessoas, com os sistemas e com as políticas, no sentido da valorização do factor humano e do local como espaço de vida, numa perspectiva de inserção social facilitadora de cidadania.
Mais do que nunca o FSOM é um projecto de relevo dentro da Ordem dos Médicos, onde se procura responder às questões sociais que afectam a classe médica e a sua família, tentando sempre contribuir para o bem-estar dos seus Beneficiários, para o reforço da solidariedade e a procura de um envelhecimento activo, significativo e com projectos pessoais e grupais.